domingo, 5 de dezembro de 2010

Um galo sozinho não tece uma manhã. Nos versos cheios de sabedoria de João Cabral de Melo, ele precisará sempre de outros galos


Estávamos a conversar no alto da pedra furada em Venturosa-PE, e um galo cantou umas 10:30, então surgiu a questão: como eles sabem a hora de cantar? Quem é que começa? e meu amigo Diogo deu explicação que é quase a mesma desses versos de João Cabral de Melo Neto. Espero que gostem !
 
Tecendo a manhã

Um galo sozinho não tece uma manhã:
ele precisará sempre de outros galos.
De um que apanhe esse grito que ele
e o lance a outro; de um outro galo
que apanhe o grito que um galo antes
e o lance a outro; e de outros galos
que com muitos outros galos se cruzem
os fios de sol de seus gritos de galo,
para que a manhã, desde uma teia tênue,
se vá tecendo, entre todos os galos.

E se encorpando em tela, entre todos,
se erguendo tenda, onde entrem todos,
se entretendendo para todos, no toldo
(a manhã) que plana livre de armação.
A manhã, toldo de um tecido tão aéreo
que, tecido, se eleva por si: luz balão.

João Cabral de Melo Neto
(1920-1999)

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